Falemos hoje sobre Direito Autoral. Sinceramente, não entendo o porquê da grande polêmica e discussão em torno da Propriedade Intelectual e do chamado Direito do Autor. Pois além de existir (“brasileiramente” falando) uma mega legislação abrangente sobre o tema — Constituição, DUDH, Convenções internacionais, Convenção Universal sobre o Direito de Autor, Acordos Comerciais, Leis especiais, Título próprio no Código Penal, etc — o texto da lei é claro e a norma, bem delimitada (pelo menos ao que me pareceu ante uma saudável consulta ao Pai e ao Ordenamento Jurídico).
Primeiro, devo explicar como surgiu meu interesse em falar sobre o tema: Convocado a postar no blog Grudiocorpo alguns e-books, ou livros virtuais, ou livros em pdf, sobre Análise do Discurso, questionei-me “E podemos?”, “E se apenas publicarmos o link apontando para o pdf armazenado em outro servidor?”. Ainda, a prisão temporária dos donos e a venda do PirateBay, a discussão no Omeletv, Nerdcast, Rapaduracast (e provavelmente outros casts) sobre a legalidade das legendas piratas, o súbito fechamento e feliz ressuscitamento do Legendas.tv, a morte da comunidade orkutiana Discografias, enfim, a discussão não é recente, e estando agora um pouco mais amadurecida nas mídias de comunicação em geral, vamos à ela.
Desmistificando logo de cara (ou apenas dando minha humilde opinião sobre) a controvérsia [ia usar a palavra “altercação”, mas achei que iria pegar mal..] sobre o assunto, começo explanando que tratarei aqui somente sobre direito patrimonial, visto que o Direito Autoral se divide em direito moral e patrimonial sobre a obra intelectual produzida pelo autor, que formam, assim, a sua propriedade intelectual. Então, tendo em vista que o direito patrimonial do autor, conforme art. 28 e 29 da Lei 9.610/98, dá a este “direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica; dependendo de sua autorização prévia e expressa a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:” (e a lei dá lá seus exemplos) e ante a tipificação do crime de Violação de direito autoral, previsto no art. 184, caput e parágrafos seguintes, do Código Penal, segundo o qual, “violar direitos de autor e os que lhe são conexos” submete o sujeito à detenção (processado mediante queixa) e o mesmo crime praticado, resumidamente, com o intuito de lucro direito ou indireto sujeita-o à reclusão (mediante ação penal pública incondicionada), respondo os seguintes questionamentos já anteriormente esboçados:
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Poderia eu publicar os tais e-books de Foucault no blog? Não, pois a razão de existirem e-books e outros tipos de reprodução eletrônica de obra literária que são distribuídas gratuitamente pela net é graças ao conceito de domínio público, eis que, no tocante à obras literárias, “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil” (art. 41 da supracitada lei), de modo que eu estaria violando os direitos autorais da obra foucaultiana, que, pelas minhas contas (Foucault morreu em 1984), deverão cessar ainda em 2055. *Lembrando que a propriedade intelectual que cai em domínio público não envolve os direitos morais do autor sobre a obra, visto que estes são personalíssimos, irrenunciáveis, imprescritíveis, perpétuos, inalienáveis, impenhoráveis, inexpropriáveis, absolutos, etc etc;
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E quanto à solução de postar o link cujo arquivo encontra-se em servidor alheio? Vedado também. Não configuraria reprodução, mas seria “comunicação ao público”, texto da lei: “ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares” (art. 5º, V c/c art .68 da lei em estudo). Morreu Bahia;
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As legendas piratas produzidas pela galera massa [+D] do Legendas.tv são ilegais? Ilegalíssimas! Novamente, texto da lei: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: IV - a tradução para qualquer idioma” No question about it;
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Eu, que baixo filme, The Sopranos e lots of other stuff todos os dias nos torrents da vida, rede ed2k e tantos outros meios da internet, sou um criminoso? E por que não seria? Criminoso ladrão de galinha, mas sim, ainda criminoso! Acontece que segundo uma interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico, configuraria a violação (termo presente no tipo do Código Penal) a reprodução indevida, ou seja, “a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos” (art. 5º, VI), inclusive “a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero” (art. 29, IX). Caso é que este crime de Violação de direito autoral, assim cometido sem intuito de lucro, com escopo apenas no divertimento/entretenimento pessoal do cara que baixou, só é processado mediante queixa, ou seja, por ação penal privada, ou seja², o estúdio, o diretor ou os produtores, que são quem, a priori, detêm os direitos sobre a obra, em conhecer que eu baixei o filme, série, etc, e no interesse de minha pessoal condenação, teria que ingressar com uma ação criminal diretamente contra mim, que, por minha vez, ficaria submetido apenas às penas de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa. Embora seja improbabilíssima, há sempre a possibilidade.
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YouTube? Também não tem jeito. É só ler a lei: “Art. 29. Depende de autorização (…): VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados”;
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Será ainda preciso perguntar de Piratebay? .. Acho que é questão vencida.
Mas vejam bem: não vão pensar em mim como o Gleyson legalista que está sempre a favor da lei e fim de papo, apenas exponho as coisas como elas são. Agora: é justo que tudo seja tido como pirataria? É inteligente continuar com essa cegueira das associações defensoras da propriedade intelectual ante o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e a evolução por que passa os modos como se processa a informação hoje em dia? É mesmo razoável que continuemos a tratar o consumidor comum como um criminoso por uma prática, que embora ilegal, considero totalmente legítima (no sentido amplo do termo). Ora, o que esperar de um espectador que, v.g., é apresentado a uma produção televisiva, a qual, depois de torná-lo fã, é subitamente tirada do ar a púrrio critério de empresários e produtores que trabalham apenas pelo dinheiro, sem nunca cogitar pôr a arte em primeiro plano? Espero ansiosamente pela sexta e última temporada de LOST na ABC, enquanto que a exibição da série na Globo em sua quinta temporada está prevista para janeiro do ano que vem. As empresas de comunicação, com raciocínio retrogrado, trabalham para manter o modelo clássico de distribuição da cultura e da arte em mídia; contudo, não vejo como sobreviverá, os tempos são outros.
Radiohead vendeu o seu último álbum lançado lá no longínquo ano de 2007 com preço inicial de $0,00, e mesmo assim fizeram dinheiro (e muito!). Isso é possuir fãs, quem é fã, é fã por um motivo, ele dificilmente desrespeitará o direito autoral de quem realmente aprecia. O “Sou” de Camelo eu comecei baixando uma, duas músicas, depois baixei as 12 faixas que saíram antes do lançamento numa mp3 contínua, quando postaram numa qualidade melhor, baixei novamente e escutei, mesmo assim, 2 dias depois do lançamento, chagava meu disco bonitinho original que comprei na pré-venda. A Apple já vende música com sucesso e lucro pelo iTunes, quase todas as grandes redes de tv americana e britânica já disponibilizam sem medo seus shows e séries em stream para serem assistidos pela internet a qualquer hora. Até a forma como se lê notícia está mudando, com o twitter dando informação 2 segundos a frente do fato, quem quer mais ler jornal impresso com notícia de ontem? Como eu disse, os tempos são outros. Diante da atual conjuntura, cujas circunstancias não apontei um décimo, é sensato pensar que é necessário a reciclagem da forma como vemos o direito autoral e a conseqüente mudança da lei? Eu diria que sim.