domingo, 12 de julho de 2009

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Falemos hoje sobre Direito Autoral. Sinceramente, não entendo o porquê da grande polêmica e discussão em torno da Propriedade Intelectual e do chamado Direito do Autor. Pois além de existir (“brasileiramente” falando) uma mega legislação abrangente sobre o tema — Constituição, DUDH, Convenções internacionais,  Convenção Universal sobre o Direito de Autor, Acordos Comerciais, Leis especiais, Título próprio no Código Penal, etc — o texto da lei é claro e a norma, bem delimitada (pelo menos ao que me pareceu ante uma saudável consulta ao Pai e ao Ordenamento Jurídico).

Primeiro, devo explicar como surgiu meu interesse em falar sobre o tema: Convocado a postar no blog Grudiocorpo alguns e-books, ou livros virtuais, ou livros em pdf, sobre Análise do Discurso, questionei-me “E podemos?”, “E se apenas publicarmos o link apontando para o pdf armazenado em outro servidor?”. Ainda, a prisão temporária dos donos e a venda do PirateBay, a discussão no Omeletv, Nerdcast, Rapaduracast (e provavelmente outros casts) sobre a legalidade das legendas piratas, o súbito fechamento e feliz ressuscitamento do Legendas.tv, a morte da comunidade orkutiana Discografias, enfim, a discussão não é recente, e estando agora um pouco mais amadurecida nas mídias de comunicação em geral, vamos à ela.

Desmistificando logo de cara (ou apenas dando minha humilde opinião sobre)  a controvérsia [ia usar a palavra “altercação”, mas achei que iria pegar mal..]  sobre o assunto, começo explanando que tratarei aqui somente sobre direito patrimonial, visto que o Direito Autoral se divide em direito moral e patrimonial sobre a obra intelectual produzida pelo autor, que formam, assim, a sua propriedade intelectual. Então, tendo em vista que o direito patrimonial do autor, conforme art. 28 e 29 da Lei 9.610/98, dá a este “direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica; dependendo de sua  autorização prévia e expressa a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:” (e a lei dá lá seus exemplos) e ante a tipificação do crime de Violação de direito autoral, previsto no art. 184, caput e parágrafos seguintes, do Código Penal, segundo o qual, “violar direitos de autor e os que lhe são conexos” submete o sujeito à detenção (processado mediante queixa) e o mesmo crime praticado, resumidamente, com o intuito de lucro direito ou indireto sujeita-o à reclusão (mediante ação penal pública incondicionada), respondo os seguintes questionamentos já anteriormente esboçados:

  • Poderia eu publicar os tais e-books de Foucault no blog? Não, pois a razão de existirem e-books e outros tipos de reprodução eletrônica de obra literária que são distribuídas gratuitamente pela net é graças ao conceito de domínio público, eis que, no tocante à obras literárias, “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil” (art. 41 da supracitada lei), de modo que eu estaria violando os direitos autorais da obra foucaultiana, que, pelas minhas contas (Foucault morreu em 1984), deverão cessar ainda em 2055. *Lembrando que a propriedade intelectual que cai em domínio público não envolve os direitos morais do autor sobre a obra, visto que estes são personalíssimos, irrenunciáveis, imprescritíveis, perpétuos, inalienáveis, impenhoráveis, inexpropriáveis, absolutos, etc etc;
  • E quanto à solução de postar o link cujo arquivo encontra-se em servidor alheio? Vedado também. Não configuraria reprodução, mas seria “comunicação ao público”, texto da lei: “ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares” (art. 5º, V c/c art .68 da lei em estudo). Morreu Bahia;
  • As legendas piratas produzidas pela galera massa [+D] do Legendas.tv são ilegais? Ilegalíssimas! Novamente, texto da lei: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: IV - a tradução para qualquer idioma” No question about it;
  • Eu, que baixo filme, The Sopranos e lots of other stuff todos os dias nos torrents da vida, rede ed2k e tantos outros meios da internet, sou um criminoso? E por que não seria? Criminoso ladrão de galinha, mas sim, ainda criminoso! Acontece que segundo uma interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico, configuraria a  violação (termo presente no tipo do Código Penal) a reprodução indevida, ou seja, “a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos” (art. 5º, VI), inclusive “a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero” (art. 29, IX). Caso é que este crime de Violação de direito autoral, assim cometido sem intuito de lucro, com escopo apenas no divertimento/entretenimento pessoal do cara que baixou, só é processado mediante queixa, ou seja, por ação penal privada, ou seja², o estúdio, o diretor ou os produtores, que são quem, a priori, detêm os direitos sobre a obra, em conhecer que eu baixei o filme, série, etc, e no interesse de minha pessoal condenação, teria que ingressar com uma ação criminal diretamente contra mim, que, por minha vez, ficaria submetido apenas às penas de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa. Embora seja improbabilíssima, há sempre a possibilidade.
  • YouTube? Também não tem jeito. É só ler a lei: “Art. 29. Depende de autorização (…): VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados”;
  • Será ainda preciso perguntar de Piratebay? .. Acho que é questão vencida.

Mas vejam bem: não vão pensar em mim como o Gleyson legalista que está sempre a favor da lei e fim de papo, apenas exponho as coisas como elas são. Agora: é justo que tudo seja tido como pirataria? É inteligente continuar com essa cegueira das associações defensoras da propriedade intelectual ante o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e a evolução por que passa os modos como se processa a informação hoje em dia? É mesmo razoável que continuemos a tratar o consumidor comum como um criminoso por uma prática, que embora ilegal, considero totalmente legítima (no sentido amplo do termo). Ora, o que esperar de um espectador que, v.g., é apresentado a uma produção televisiva, a qual, depois de torná-lo fã, é subitamente tirada do ar a púrrio critério de empresários e produtores que trabalham apenas pelo dinheiro, sem nunca cogitar pôr a arte em primeiro plano? Espero ansiosamente pela sexta e última temporada de LOST na ABC, enquanto que a exibição da série na Globo em sua quinta temporada está prevista para janeiro do ano que vem. As empresas de comunicação, com raciocínio retrogrado, trabalham para manter o modelo clássico de distribuição da cultura e da arte em mídia; contudo, não vejo como sobreviverá, os tempos são outros.

Radiohead vendeu o seu último álbum lançado lá no longínquo ano de 2007 com preço inicial de $0,00, e mesmo assim fizeram dinheiro (e muito!). Isso é possuir fãs, quem é fã, é fã por um motivo, ele dificilmente desrespeitará o direito autoral de quem realmente aprecia. O “Sou” de Camelo eu comecei baixando uma, duas músicas, depois baixei as 12 faixas que saíram antes do lançamento numa mp3 contínua, quando postaram numa qualidade melhor, baixei novamente e escutei, mesmo assim, 2 dias depois do lançamento, chagava meu disco bonitinho original que comprei na pré-venda. A Apple já vende música com sucesso e lucro pelo iTunes, quase todas as grandes redes de tv americana e britânica já disponibilizam sem medo seus shows e séries em stream para serem assistidos pela internet a qualquer hora. Até a forma como se lê notícia está mudando, com o twitter dando informação 2 segundos a frente do fato, quem quer mais ler jornal impresso com notícia de ontem? Como eu disse, os tempos são outros. Diante da atual conjuntura, cujas circunstancias não apontei um décimo, é sensato pensar que é necessário a reciclagem da forma como vemos o direito autoral e a conseqüente mudança da lei? Eu diria que sim.

4 comentários:

  1. Anônimo7:25 AM

    Ótimo artigo! Meu interesse pelo direito autoral é grande pois escrevo legendas como freelancer e parte da minha remuneração vem das vendas de DVD, ingressos de cinema e difusões na TV. Fico irritada com os fansubbers porque eles não querem admitir que estão em plena ilegalidade. Não quero entrar na guerrinha amador/profissional porque, afinal, é mais o modo de lançar os produtos legais que está em questão do que as legendas dos subbers - se os produtos estivessem mais acessíveis, talvez o pessoal não ficasse procurando legenda não profissional para programas baixados na net.

    Como você disse, o problema não é tanto o direito autoral em si como o modo de remunerar os autores. Sei que ainda tem quem acha que arte/divertimento/ música deveria ser gratuito, mas nem vou entrar no debate.

    Você apontou artistas como Radiohead que encontram modos diferentes de vender sua música - o que, imagino, funciona bem porque eles já têm uma base importante de fãs. Para grupinhos menos conhecidos que lançam seu primeiro disco, deve ser mais difícil. Se a gente falar em filmes e legendagem, o que mais me toca, é ainda pior, pois o trabalho de legendagem não é reconhecido ("qualquer um pode fazer"), o que leva a questão de remuneração mais complicada ainda.

    O modo de consumir produtos culturais muda: quando os Americanos vêem um episódio de uma série, nenhum fã de outro país quer esperar mais de 24 h para vê-lo... e legendado, por favor! As vezes, acho essa impaciência um pouco louca. Legendar é um trabalho, não é fácil nem instantâneo. É melhor ter acesso rápido e gratuito a uma legendagem amadora ou esperar mais um pouquinho e pagar para ter uma legendagem profissional? Claro, a questão do preço é preponderante, mas para ficar no ramo das ideias, acho importante questionar os princípios que regem nossa forma de consumir esses tais produtos.

    Tudo tem um preço e muitas pessoas esquecem disso, como muitas pessoas não se importam em ver um filme com definição ruim e legenda aproximativa. Talvez eu veja menos filmes do que o cara que baixa 15 filmes por dia, mas prefiro filtrar o flux imenso de informação e escolher o que eu quero ver - e assistir em boas condições.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. não tenho como escrever nada aqui.. foi o tema de minha monografia e escrevi 120 páginas sobre o assunto, não posso escrever apenas um comentário sobre direitos autorais .. hahaha

    até recomendaria a leitura de minha monografia se não fosse tão grande! hahaha

    vide biblioteca da uesb: "violação dos direitos autorais fonográficos na internet e suas consequências penais"

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  4. Muito bem dito.

    Há duas situações bem explicitadas em seu texto:

    1. o reconhecimento de que todas essas condutas relacionadas à violação de direito autoral ou conexo são criminosas. É a palavra da lei, e por mais que soe hipócrita ou radical, é a lei, cara. Se as pessoas podem ser processadas por isso, não tem desculpa nm objeção de consciência que a livre de, ao menos, estrear a ficha policial.

    2. Por outro lado, é mais do que válido o questionamento sobre o anacronismo das estratégias comerciais das empresas de filmes/séries/música/etc.
    Hoje é preciso mais do que o conteúdo em si para atrair o cliente (e seu dinheiro), já que tudo se baixa na internet e, no caso dos jornais e revistas, as notícias são transmitidas "real time" no twitter.

    Sem mais, recomendo a leitura do Observatório da Imprensa (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/index.asp). Os textos mais interessantes e inteligentes da imprensa nacional.

    Abraço!

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